segunda-feira, 4 de julho de 2011

O adeus a Mário Chamie

Faleceu neste triste 04 de julho, aos 78 anos de idade, o crítico e escritor Mário Chamie, em decorrência de um câncer de pulmão que enfrentava há mais de um ano.

Chamie foi o idealizador da chamada "poesia-práxis", corrente dissidente do movimento concretista iniciado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos juntamente com o poeta Décio Pignatari. Conforme definição do próprio Chamie, os poemas práxis resultavam de um levantamento de palavras dentro do campo semântico do tema escolhido para o poema ou livro.

Ex-secretário de cultura da cidade de São Paulo (1979-1983), ele foi em grande parte o responsável pela criação do Centro Cultural São Paulo. Como professor de literatura na década de 1960, chegou a lecionar na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, tendo como um dos seus alunos o músico Jim Morrison (1943-1971), futuro líder da banda The Doors, com quem trocou correspondências.

Ultimamente, Mario Chamie "emprestava" sua voz ao programa 50 por 1 da TV Record, apresentado por Álvaro Garnero. Ele era o responsável pela narração de fundo, sempre intervindo com algum comentário perspicaz no decorrer das matérias.

Sobre Mário Chamie, escreveu o crítico Antonio Cândido: ele “tentou de certo modo preservar a estrutura do poema, além de manter um forte rastro de realidade. As suas experiências são interessantes como tentativa de manter a tradição do Modernismo sem renunciar ao espírito de vanguarda!”.


QUEDA INTERIOR

Se a queda é livre
o medo da queda
é preso.

Livre é a queda
sem embaraço
defeso.

A queda
de um homem
tenso
não é a guerra
do Peloponeso
pelo estreito
de um coração
perverso.

A queda
livre
é o próprio peso
de um coração
suspenso.

Toda queda
é o menosprezo
de quem cai
sobre si mesmo.
 


PLANTIO

Cava,
então descansa.
Enxada; fio de corte corre o braço
de cima
e marca: mês, mês de sonda.
Cova.

Joga,
então não pensa.
Semente; grão de poda larga a palma
de lado
e seca; rês, rês de malha.
Cava.

Calca
e não relembra.
Demência; mão de louco planta o vau
de perto
e talha: três, três de paus.
Cova.

Molha
e não dispensa.
Adubo; pó de esterco mancha o rego
de longo
e forma: nó, nó de resmo.
Joga.

Troca,
então condena.
Contrato; quê de paga perde o ganho
de hora
e troça: mais, mais de ano.
Calca.

Cova:
e não se espanta.
Plantio; fé e safra sofre o homem
de morte
e morre: rês, rés de fome
cava.

 
PALAVRA DE HOMEM

Um pouco de amargura não resolve.
      Um pouco de amargura
      se dissolve,
se nesta cidade
não conheces o outro
que está perto e pouco.
A palavra de homem em tua boca
espera a palavra e o nome
                            de peso e cobre.
Espera a voz do outro
que acusa a palavra pouca
e explode a armadura
dessa amargura rouca.
Falar não salva o homem.
- Estás na outra
                  palavra do outro
                      perto e solto.
Falar não abre a porta
            não abre a cela
            não salva o foco
            de tuas chagas.
Falar só salva, salvo
se o outro
                                 do outro lado
fale por tua boca:
               - a fala pouca
               que te dissolve
               a arma pura
               desta amargura
               que não resolve.
   

RODÍZIO DO CORPO

Dia. A avenida jaz num leito
quando sou inerte neste reino
de dormir. Pedra sobre pedra,
seus andores duram em terra
e são chamados casa, edifício.
Movo os olhos e contudo rijo
meu corpo imóvel nunca leva
às duras alamedas graça aérea.
Necessário que o físico (cabeça,
feixe de ossos e ágeis peças)
permaneça rodízio senão moto-
­contínuo onde ruas sejam o foco
de luz na sombra e vice-versa.
Eis mover. O movimento humano
das coisas que animo, se amamos.

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