terça-feira, 4 de março de 2008

Dante Milano

Pode-se dizer que a qualidade dos versos do poeta carioca Dante Milano (1899 – 1991) é inversamente proporcional à sua popularidade. Embora celebrado e aclamado por vários escritores, entre eles ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, o poeta sempre foi avesso à fama, recusando-se até mesmo a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras.

Sua poesia sustenta-se na tensa linha que separa lirismo e racionalismo. Dono de uma poesia atemporal, de versos que se mostram aparentemente simples, Dante Milano, assim como o cronista Rubem Braga, é um mestre na “difícil arte de escrever fácil”.

Conheça mais sobre a vida e a obra de Dante Milano.



O amor de agora é o mesmo amor de outrora

O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.


Canção bêbeda

Estou bêbedo de tristeza,
De doçura, de incerteza,
Estou bêbedo de ilusão,
Estou bêbedo, estou bêbedo,
Bêbedo de cair no chão.


Os que me virem caído
Pensarão que estou ferido.
Alguém dirá: "Foi suicídio!"
"É um bêbedo!" outros dirão.


E ficarei estirado,
Bêbedo, desfigurado.


Talvez eu seja arrastado
Pelas ruas, empurrado,
Jogado numa prisão.


Ninguém perdoa o meu sonho,
Riem da minha tristeza,


Bêbedo, bêbedo, bêbedo,


Em mim, humilhada a glória,
Escarnecida a poesia,


Rasgado o sonho, a ilusão
Sumindo, a emoção doendo.


E ficarei atirado,
Bêbedo, desfigurado.


Ao tempo

Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,

Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida

A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando

Tempo, vais para diante ou para trás?


Cenário

Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?

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